Algumas horas antes eram completamente estranhos, nunca haviam se visto, mas, agora, compartilhavam momentos de genuína alegria.
Normalmente subestimamos a qualidade e a quantidade de alegria, e de outras emoções elevadas, que podemos experimentar com desconhecidos, mas tem sido algo reincidente em várias trilhas que tenho guiado. Em um espaço de poucas horas, compartilhando a experiência de caminhar, de forma tranquila, na natureza, mantendo sua atenção no cenário deslumbrante e ao mesmo tempo desafiador, várias pessoas começam a serenizar suas mentes e passam a interagir entre si de forma descontraída e mantendo uma conduta de respeito e gentileza. A impressão que eu tenho, mais ou menos observando em perspectiva, é que espontaneamente cada um começa a se conectar com o cenário natural e como consequência consegue também se conectar de forma leve (mas profunda) com o outro ser humano, que também vive naquele momento, fora do tempo e espaço corriqueiros, esta conexão serena com a realidade circundante. Naquele espaço natural e naquele tempo especial é mais fácil gostar do mundo, gostar da vida e, por isso mesmo, mais fácil gostar de si mesmo e do outro.
Na minha contemplação destas relações alegres vejo rostos felizes, atentos ao outro, muitas vezes com largos sorrisos que me remetem à infância e suas brincadeiras inocentes. Mesmo sem a necessidade de conhecer a biografia do outro existe um ambiente de natural confiança estabelecido. Naqueles momentos as pessoas não são suas profissões, nem seus empregos, não são sua família, não são onde moram, não são o seu carro, não são suas preocupações, não são suas dores, não são os seus medos, não são seus vícios, não são o seu passado nem futuro, elas estão lá entregues ao feliz agora e talvez, por isso mesmo, elas sejam mais elas mesmas.
Sendo elas mesmas são capazes de, olhando no olho do outro, reconhecer um pouco de si mesmas. Aquela pessoa diante dela não é uma ameaça a ser eliminada ou um problema a ser resolvido, pelo contrário, aquele "estranho" não é um estranho, é alguém que merece ser admirado e respeitado pelo que é em sua essência independente de seus títulos, da sua história e do que materialmente possui.
Dentro de um espaço de poucas horas, aquelas pessoas não são mais estranhos e são tão especiais que querem voltar a se encontrar, e logo, na esperança de viverem mais momentos de conexão e alegria.
Nesta mesma reflexão aproveito para recordar que, recentemente na expedição que realizei ao Monte Roraima, pude sentir um poderoso sentimento de reconhecimento e conexão com a Natureza muito bem encarnada no próprio Monte Roraima e seu entorno. E o mesmo sentimento, tão poderoso quanto, com alguns seres humanos que tive o privilégio de conhecer por lá. Foram muitas conexões especiais, porém destaco a que tive com Carlos Costa, nosso guia da tribo Taurepang, um ser humano magnífico que comunica muito com o seu silêncio, com seu movimento suave, com sua fala mansa. Outra conexão instantânea, que depois constatei recíproca, foi com Serge, outro nativo da região, com o qual compartilhei momentos brevíssimos, quase sem palavras, mas no meu coração ficou a impressão de que o conheço desde sempre.
Ponho-me a refletir: Que valor tem uma vida em que estas conexões acontecem com uma boa frequência? Que riqueza é poder viajar 5.000 quilômetros e encontrar uma alma irmã tão longe da minha morada?
É mágico e poderoso saber que existem tantas pessoas por aí para reencontrar pela primeira vez (nesta vida).
A distância que verdadeiramente separa dois corações é a distância de um sentimento e um sentimento elevado é mais rápido do que a luz.
Este assunto é tão belo e rico que, agora percebo, não cabe em um pequeno artigo, precisaria ser um capítulo de livro, e será!
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